É fato que, há bem pouco tempo, a medicina foi duramente testada em todo o planeta. Para que pudéssemos reduzir o número de baixas, enquanto lutávamos contra a crise sanitária causada pela Covid-19, a tecnologia se comprovou uma aliada essencial, possibilitando o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde.
Além de impactar negócios, lazer e trazer mais comodidade para diversas das nossas tarefas diárias, a Inteligência Artificial é útil no apoio a médicos e profissionais de saúde, especialmente no suporte à tomada de decisão e realização de diagnósticos. No fatídico ano de 2020, contávamos com 500 mil médicos para cuidar da saúde de 213,2 milhões de brasileiros, e o sistema de saúde funcionava sob pressão, com uma razão de 2,34 médicos para cada mil habitantes no auge da crise. Neste cenário, a tecnologia pode ser um fator decisivo para o equilíbrio da relação entre oferta e demanda por serviços de saúde
Apesar do volume de médicos ter crescido 5 vezes mais que a população nos últimos 100 anos, de acordo com o estudo Demografia Médica do Brasil, a distribuição geográfica dos profissionais da saúde ainda é um problema. Com a concentração dos médicos nas capitais, fatores como grandes distâncias e dificuldade de deslocamento em certas regiões acabam dificultando o acesso da população a algumas especialidades e, neste caso, a tecnologia pode ajudar profissionais e técnicos.
Subárea da Inteligência Artificial, a visão computacional é uma ciência que, de forma resumida, torna máquinas capazes de analisar imagens ou vídeos. A partir dessas análises potencializadas pelo poder computacional, sistemas inteligentes podem ser utilizados para apoiar a tomada de decisão ou gerar dados sobre problemas e situações específicas.
Entre as aplicações mais comuns, a visão computacional é utilizada no reconhecimento facial para fins de acesso e segurança, na detecção de violações no trânsito, direção de veículos autônomos e claro, em aplicações médicas. É possível entender rapidamente o potencial na medicina, ao considerar a tarefa de contagem de células em amostras que, quando automatizada com Inteligência Artificial, otimiza o trabalho dos profissionais da saúde ao mesmo tempo em que agiliza o tratamento dos pacientes e amplia o alcance dos diagnósticos de forma remota.
Um estudo realizado em larga escala, publicado em 2022 no The Lancet Digital Health, foi o primeiro a comparar de forma direta o desempenho da IA de forma autônoma versus a sua aplicação no suporte a especialistas humanos na detecção do câncer de mama. Com o apoio de radiologistas do Essen University Hospital na Alemanha, e do Memorial Sloan Kettering Cancer Center em Nova Iorque, os pesquisadores testaram duas abordagens. Inicialmente, (1) a Inteligência Artificial atuou sozinha na análise de mamografias. Na outra, (2) a IA realizava a triagem dos exames como normais ou suspeitos, encaminhando-os a radiologistas que revisavam a avaliação antes de ver a análise da Inteligência Artificial, que emitia um aviso ao detectar um câncer não percebido pelo médico.
Durante o estudo, a IA examinou exames antigos, comparando suas avaliações com as realizadas pelos radiologistas que haviam feito as análises originalmente. Para o treinamento, foram utilizados dados de mais de 367 mil mamografias, incluindo notas dos radiologistas, avaliações e informações sobre o diagnóstico positivos, para que a IA se tornasse capaz de classificar os exames nas categorias “normal confiante”, “não confiante” e “câncer confiante”. Nas duas abordagens, as conclusões foram comparadas com os diagnósticos dos radiologistas em 82.851 mamografias, provenientes de centros de triagem que não foram utilizados no treinamento da IA.
Na segunda abordagem, quando médico e IA atuaram juntos, a detecção foi 2,6% mais eficiente em relação ao trabalho sem o suporte tecnológico, gerando menos alarmes falsos, inclusive. Uma vez que os médicos puderam dispensar a realização de análises para exames classificados como “normal confiante”, que representam 63% dos casos, uma redução drástica na carga de trabalho dos radiologistas ocorreu, poupando tempo e esforços desnecessários.
De acordo com o estudo, radiologistas não percebem um em cada oito casos positivos, por influência de fatores como fadiga, excesso de trabalho e até mesmo pela hora do dia. Aqui no Brasil, por exemplo, profissionais da saúde responsáveis pela análise de exames de imagem podem chegar a emitir 36 laudos em jornadas de 6 horas. Além disso, há escassez de especialistas para analisar exames, sobretudo quando realizados em locais remotos.
IA e soluções de visão computacional têm inegável potencial para reduzir as desigualdades no acesso a diagnósticos, mais precisos. Sobre o temor da possível substituição de profissionais por novas tecnologias, todas as tentativas de realizar o trabalho dos radiologistas de forma 100% autônoma apresentaram desempenho inferior ao trabalho humano na triagem do câncer em mamografias. Sistemas de saúde, profissionais e pacientes têm muito a ganhar com o auxílio da IA.
Deixar um Comentário